31.7.06

Falta de razão
Rubem Garcia - O Coringa

Conflito iminente,
Dois minutos para o poente,
Uma eternidade para o anoitecer...
Cavando trincheiras,
Guardando fronteiras,
Desgarrando-se do que custa a fenecer...
Mas como tudo, também perece,
Em vão os enganos, mui vãs as preces,
Muitos os caminhos onde o Ser padece,
Tantas incertezas para perscrutar...
Escapa ao escrutínio do mais velho sábio,
Escapa ao julgamento do pretor mais hábil,
O escopo dessa trama, o enredo dessa estória,
Toda pasmaceira, todo embaraço,
Toda cerimônia, para armar o laço,
Mais que um percalço, falha na memória...
Abalo na crença, nessa e n’outra vida,
Nunca alcançada a terra prometida,
Longa caminhada, passagem só de ida,
Cujo passageiro pode não chegar.

22.7.06

Rosnado de pedra
(o que aleija vossos celulares)
Rubem garcia - o Coringa
Me impede de adernar em tuas vagas
A ânsia de vagar por teus caminhos,
orla exterior do Ser marinho,
teu pouco respeito me enerva...
É o grito da pedra que ronca,
que aflita, é frita...
nem mais pedra, só brita
Queimando na lata, das bordas ao centro.
Enquanto observo a cidade,
lavada em meu sal, meu salitre,
escutando o bom alvitre,
a superlotar o inferno...
É meu ódio minando esse mal,
pouco importa o fel que me sobre,
roendo as entranhas de cobre
para que deteriore, morra ou piore...mas pare!

17.7.06

Os Primeiros
Rubem Garcia - O Coringa

Muito sinto falta de ser leviano,
De passarem leves os anos,
Tal qual os primeiros...

Muito sinto falta de estar nu em pelo,
Antes dos primeiros...
Pelos pubianos...

Muito sinto falta da grandiloqüência,
Tão mal ordenada…
Da primeira infância.

Muito sinto falta do calor soberbo,
flor esmaecida,
o primeiro beijo…

Muito sinto falta da insegurança,
Dos cambaleantes,
Meus primeiros passos...

Muito sinto falta de estar desperto,
a espontaneidade...
Dos primeiros versos…
Tanta a tua falta
Rubem Garcia - O Coringa
(feita à partir de tema proposto pela amiga Sônia Paz, a quem dedico o resultado obtido)
Tua falta tanta,
escorre na tarde lenta,
a dor que me apoquenta,
a dor que me acalanta...
Tua falta tanta,
que o desespero é para tanto,
que de mártir, viro santo,
que de puta, viro santa...
Tua falta tanta,
por mais que lateja e sinta,
por mais que pragueje e minta,
me cobre qual uma manta...
Tua falta tanta,
por vezes passa da conta,
por pouco, pouco me apronta,
por certo me desencanta...
Tua falta tanta,
nas praias desertas de Punta,
é tanta que até nos junta,
tão grande que nos levanta.

11.7.06

Blackout!

Rubem Garcia - O Coringa

“O homem não voa!”

Berra o engodo fascista,

A TV apregoa…

6.7.06

Sem Serventia

(à Wilfredo Santos Lessa, que perdeu a identidade)

Rubem Garcia - O coringa

Sem documentos não sou ninguém
não sou maria, não sou joão,
não tenho casa, não tenho vintém,
nem brioche, bolacha ou pão,
bife de fígado, corte de acém...
Sem documentos sequer existo.
Não sou brasileiro, também não insisto,
finjo de morto, ou esquecido,
não é comigo,
a solução.
O meu quinhão, já foi repartido,
como requerido por petição,
ou maldição,
no deferimento,
do testamento,
deixado em vida,
no lixo da esquina,
bala perdida,
no coração...
Contradição,
feita em queda livre,
rumo ao declive,
na flor da idade,
mal da cidade,
do feudo velho,
no fundo do espelho,
dos olhos fundos,
num fim de mundo,
em um segundo,
de letargia...
na terapia.
mudam os homens,
muda a poesia,
muda a fatia,
de pão na mesa,
dura certeza,
nunca afirmada,
de ser o nada,
uma fina sobra,
lacuna na obra
da raça humana.
ira serena,
de um Deus caótico,
Santo católico
na mão do Nazista,
ponto de vista,
na vassoura da bruxa,
no show da xuxa,
só pros baixinhos,
anões mesquinhos,
do orçamento...
lançam no esgoto a despesa pública,
e nossa súplica,
pelo perdão...