12.4.07

A cega
Rubem Garcia - O coringa

De vez em quando eu penso em ser ladino...
Ladrar nos mundos, feito cão sem dono...
Instantes antes de tal abandono,
A cega me traga sorrindo...

vez por outra desejo ser moderno...
Ser prolíxo, contemporâneo, extemporâneo, liberto,
E toda vez que estou perto,
A cega me bica o fígado num suplícito eterno...

As vezes quero, outras eu tenho,
O sonho mais cálido, o gesto mais tenro, O suspiro mais denso,
E quanto mais eu ganho, tanto mais eu perco, muito mais eu penso,
E a cega me joga no chão de onde venho...

Das muitas vezes que quis ser sozinho,
Muitos comentaram, muitos complicaram,
Poucos escutaram, poucos entendeream...
E a cega retirou meu pequeno mundinho.
ORAÇõES DO ALTAR PROFANO
Rubem Garcia – O coringa

Soube de um beijo...
E ainda sinto fria a boca...
Tão longe que foi sua pele,
Tão perto estiveste na noite...
Em que a lua despiu-se, ,louca,
Como uma santa sob meus pés...


Pernas caminharam mundos...
comeram léguas ao longo dos anos...
tão longe ficou a pele,
tão perto de ser memória,
da lua esmaecida,
ciente de seus enganos,
como uma santa a meus pés...

Movimentos celestes, conspiração,
Movendo as pás do moinho,
Marés nas calhas da roda,
Maré em seu fluxo contínuo,
Transmutando água em vinho...
Como uma santa sob meus pés...

Tanta verdade, tanta alegria,
Surgida num instante breve,
Tão perto da tela fria,
tão certo o frio do inverno,
Febril qual carícia breve,
Daquela santa sob meus pés...