19.3.14

Boas Intenções

Maia

Eu, mundo do foi
e jamais será um dia...
contemplo a mais triste estória
da mais completa alegria...
Dando a mão, a palmatória,
a cara da melodia,
caminho mundo a fora.
Metáfora, alegoria
de um recém-alforriado servo,
sem senhor, sem serventia...
Sempre cego no que corre
solto, á minha revelia...
Sempre escravo no que morre...
despeito, difamação, arritmia.
Desprezo que pode causar impacto
no pacto da economia,
no pacote do mercado,
na fila da filantropia.
Na ânsia em dar o recado
o conteúdo atrofia...
Todo o resto...
resta...

prejudicado.

10.3.14

Cego no Rio de Janeiro
(na boca do lixo da Lapa)

Maia

Não o fato do nos armarmos
mil vezes mais que a razão
da nossa vã misantropia
não suporto
Pregação de filantropo
Se o papo for por ai
eu não topo
retórica de demagogo
eu combato com fogo
eu descubro no faro
estraçalho e cuspo
sou cachorro do mato
mas de fino trato
domesticado entre aspas
mas sem xampu pra caspa
ou talco pra pulga
uma coisa me intriga
a tua ruga
na testa
a morte
estampada
no meu olho esquerdo
o meu medo
o último samba
que sobra

do teu enredo.
Nome que deram aos Bois
(saiba que os poetas, como os cegos
podem ver na escuridão*)

Maia

Uma bolha de ar
a sustentar uma nau que aderna
na baderna desse universo abstrato.
O antigo trato agora jaz por terra!
Era a guerra em que valia ser soldado.

Dava um caldo de galinha a cada gripe
a egotripe de uma trinca meio confusa.
Quem me usa, quem abusa e quem constrói,
seja a trois, seja a dois sejam milhões
de corações todos na mesma sintonia?

Sinfonia afinada de desejos
de tantos beijos jogados a cada esquina,
e a assassina cruel do meu tesão
tinha à mão minha sina, meu roteiro.
Meio inteiro, meio dividido, meio morto,
eu exorto a robustez dos teus princípios.
Mesmo ímpios, eu confesso os reconheço,
mas não esqueço o quanto me custa a caminhada.

A jornada mexicana em que me encontro
sempre pronto prum descuido do destino.
Eu menino, pensei ser “home”,
saciar a fome era sempre meu desidério...
O mistério cravado na minha existência.

A magnificência dos meus bons passos,
os erros crassos do meu demônio...
só um jogo de hormônios que afetou a quintessência,
e no final da adolescência decretou isolamento.

Numa cela de cimento, de onde logrei o escape...
mas não tem remendo que tape o rasgão nos meus fundilhos.
Da minha fuga do exílio, o excesso ficou de fora,
me custou a demora a me aproximar desse teto.

Para descobrir desolado,
que onde houve um gramado
tem um muro de concreto.


* in Choro bandido -  Chico Buarque de Holanda