14.12.14

Hellraiser

Maia

Ainda assim,
a gente tem
obrigação
em ser feliz.

O que você me diz
amiga?
Outra provação
lhe rouba a atenção,
e outra direção
lhe obriga?

Observa,
há um caminho
sem tormenta...
perto do ninho
de cobras,
passando a toiceira
de urtiga.

Muita pressão..
às vezes a pele coça,
nem sempre é nova
a bossa,
nem sempre
a população aprova.

Em qualquer curva
pode estar
a minha cova,
por isso espero
uma melhor surpresa
a cada dia.

Em cada amanhecer
falecer
uma tristeza,
nas asas
dos raios de Sol
cavaleiras
alegrias...

e a certeza
da existência

passageira.

8.12.14

Salto da Estrada

Maia


Eu ando Afoito
pra saber da novidade
que acontece na cidade
seja noite ou seja dia.

Eu ando aflito
para ter qualquer notícia
de que a vida é bonita
para aquele que acredita
e que contempla
o véu da noite.

Desfilam
risonhas e lentas
pelas ruas da tormenta
ilusões desmascaradas

Ainda dizem
que uma noite não é nada
memórias d'uma safada
que topou o seu caminho

Eu ando louco
já há tantos janeiros
pessoas do mundo inteiro
batem palma
pedem bis

Querem mais
e muito mais que você se foda
provando do seu tempero,
tentando seguir a moda
deixando de viver por medo

amando por desespero

1.12.14

Teorema

Maia

E depois você se queixa
que não vem a novidade
acontecer na sua vida...
se prendendo à mesma história
que ficou mal resolvida,
remédio, acomodação
que resulta em sobrevida.
Abnegação...
esqueceu de olhar o novo
que estava ali
tão perto.
Respirando no universo.
Aspirando conspiração,
harmonia,
pensamentos,
alcance das mãos,
idéias.

E ainda lhe resta esperança
de juntar os cacos da vida
passada...
Retomar a estrada
esquecida,
renovar os votos,
as promessas.
Até que um dia você cansa,
embora não lhe reste outra dança...
A última valsa ocorrera outrora...

Nenhum arrependimento
há de me sobrevir no ocaso,
no merecido descanso...
turbilhão...
dança de Shiva...

talvez o mesmo não seja seu caso.

13.11.14

A hora negra
(fora do convívio)
Maia

Bom estar contigo
de qualquer lado
de frente
bom é ter estado
bem mais
em tempo presente
Bom é ter contigo
algo fácil
algum elo
qual papel me presto
último esforço
alheio à insatisfação alheia
dedico-me ao corso
dos corações alados
bom é ter havido
ser passado
impresso n'alma
bom rolar na lama
na cama
com calma
última chamada
ocaso da chama
pouco-caso
descasa
descaso que ama
amor que mata
tira-teima
o brilho do teu olho

me queima

7.11.14

Antepasto de mosquitos


Maia


Por mais que me esforce,
olhe por cima...
não vem outra rima de graça.
Vontade que dá
e passa...
paradoxo.
Na rota do meu processo
um procedimento escatológico...
Efeito mágico...
gás de pimenta no olho
e ao silêncio me recolho,
roncolho e mais sábio.
Órfão de um verso,
de criar caso,
de fazer questão...
passei a vida à toa à toa.
Por causa do meu projeto
tem sapo engolindo sapo

na festa à beira da lagoa...

3.10.14

Pré-formação e teoria celular
(homúnculos)
Maia

Não
eu não sou a mentira
que foi criada em outra vida
sou um novo dia
cintilância
rutilância
poesia
o vento ligeiro
correndo as areias do mundo

Não
eu não sou um fantasma
uma aparição grotesca
sou a sombra
a água fresca
e uma soma infinita de carinhos
Deus é mais em mim
do que sozinho.


Ao mestre Augusto dos Anjos...

29.9.14

DemoKratia
(não é Vídeo-Game)
Maia

Num estado de opressores e oprimidos,
Se escolhe o próximo opressor

com um clique de botão...

25.9.14

Picolé
(pra esquimó)


Maia


Mandei fazer um broquel
e vou sair pelo mundo
a combater
infiel por infiel...
até a fé perecer.
Montado no meu cavalo,
que se chama carrossel
e se vende por um afago,
desafogo num intervalo.
Movimento circular,
uniforme e variado...
havido esse desacato
no meio do mato,
cá estou para colher os louros.
Mandei fazer um anel
para que mostres a todos
ou então te marcar a ferro quente.
Dono de gado-gente,
vaqueiro de gado-povo,
pastor de ovelhas...
escolhe matar as velhas,
comer as novas,
capar os machos...
colocar pregos nos assentos
do banco da igreja
e pedir encarecidamente

que tu não vejas.

18.8.14

Fazes da morte

Maia

Lobo em pele de cordeiro
que se revela
do galã da novela
ao advogado do balcão.
Escravos da nossa incompetência
em ser Nação...
Devotos de Não sei que Senhora
da Contra-Revolução...
Metáfora
para esconder o golpe
de mil novecentos e sessenta e quatro
e seus crimes de Desmando...

porque não havia guerra.

20.7.14

Pra quem não vê
(Rubem Alves e João Ubaldo)
Maia

Deixa estar...
hei de acelerar o passo
e estancar a beira do precipício.
Por um princípio mecânico
permanecer uniforme
em movimento retilíneo.
Envolvimento mínimo...
não suporto mais qualquer atrito.
Se ninguém quer escutar meu grito,
não é por isso que eu devo ficar calado.
Acomodado à sombra de um passado,
dos mal acabados que não tem futuro.
O Sol clareou meu quarto escuro
pela última vez, nessa madrugada.

Deixe estar...
Hei de tecer comentários infames,
esquecer eventos, datas e nomes
dos que não saciam minha fome.
Socialmente ínfimos...
Não apetece mais qualquer banquete,
uns que compram joguinhos,
outros barganham boquetes,
e somos marionetes do inconsciente coletivo.
O monstro sist está vivo
atacando na televisão,
no horário político,
em plena novela das oito.
Não vão mais servir biscoitos,

nem leite quente pra chamar o sono.

1.4.14

Roupas curtas
(dos homens que gostam de mulher)

Maia

“tua” para cuidar
“tua” para ser amada
Basta violência!
Não merece ser estuprada.
“dela” para protegê-la
“dela” para respeitá-la
jamais para tomar à força
jamais para estuprá-la.
Acorda homem da caverna,
as fêmeas em debandada
cansaram de tanta peia,
de tanta quimera...
tantos ecos, tantos socos,
engolir as lágrimas em seco
e sorrir ao mundo sem soluços.
Elas se cansaram de deitar de bruços
e abrir as pernas ao teu contento.
Acorda homem da caverna,
também já foste filho de um estupro...
Pagas por não saber a verdade:
Cada gota do sangue delas
custa a mesma dor na tua carne,
custa o mesmo Karma à humanidade
e custa muito menos evitá-la...
a mulher é toda dela,
e aceitá-la
é a única parte que te cabe
desse latifúndio.

19.3.14

Boas Intenções

Maia

Eu, mundo do foi
e jamais será um dia...
contemplo a mais triste estória
da mais completa alegria...
Dando a mão, a palmatória,
a cara da melodia,
caminho mundo a fora.
Metáfora, alegoria
de um recém-alforriado servo,
sem senhor, sem serventia...
Sempre cego no que corre
solto, á minha revelia...
Sempre escravo no que morre...
despeito, difamação, arritmia.
Desprezo que pode causar impacto
no pacto da economia,
no pacote do mercado,
na fila da filantropia.
Na ânsia em dar o recado
o conteúdo atrofia...
Todo o resto...
resta...

prejudicado.

10.3.14

Cego no Rio de Janeiro
(na boca do lixo da Lapa)

Maia

Não o fato do nos armarmos
mil vezes mais que a razão
da nossa vã misantropia
não suporto
Pregação de filantropo
Se o papo for por ai
eu não topo
retórica de demagogo
eu combato com fogo
eu descubro no faro
estraçalho e cuspo
sou cachorro do mato
mas de fino trato
domesticado entre aspas
mas sem xampu pra caspa
ou talco pra pulga
uma coisa me intriga
a tua ruga
na testa
a morte
estampada
no meu olho esquerdo
o meu medo
o último samba
que sobra

do teu enredo.
Nome que deram aos Bois
(saiba que os poetas, como os cegos
podem ver na escuridão*)

Maia

Uma bolha de ar
a sustentar uma nau que aderna
na baderna desse universo abstrato.
O antigo trato agora jaz por terra!
Era a guerra em que valia ser soldado.

Dava um caldo de galinha a cada gripe
a egotripe de uma trinca meio confusa.
Quem me usa, quem abusa e quem constrói,
seja a trois, seja a dois sejam milhões
de corações todos na mesma sintonia?

Sinfonia afinada de desejos
de tantos beijos jogados a cada esquina,
e a assassina cruel do meu tesão
tinha à mão minha sina, meu roteiro.
Meio inteiro, meio dividido, meio morto,
eu exorto a robustez dos teus princípios.
Mesmo ímpios, eu confesso os reconheço,
mas não esqueço o quanto me custa a caminhada.

A jornada mexicana em que me encontro
sempre pronto prum descuido do destino.
Eu menino, pensei ser “home”,
saciar a fome era sempre meu desidério...
O mistério cravado na minha existência.

A magnificência dos meus bons passos,
os erros crassos do meu demônio...
só um jogo de hormônios que afetou a quintessência,
e no final da adolescência decretou isolamento.

Numa cela de cimento, de onde logrei o escape...
mas não tem remendo que tape o rasgão nos meus fundilhos.
Da minha fuga do exílio, o excesso ficou de fora,
me custou a demora a me aproximar desse teto.

Para descobrir desolado,
que onde houve um gramado
tem um muro de concreto.


* in Choro bandido -  Chico Buarque de Holanda

13.2.14

As relações mais profundas
Maia

Tanta coisa a ser dita
ninguém pra ouvir
nenhum porvir
pouca desdita
lapsos de frases incompletas
de fases abortadas
de falsos diamantes
milhares de amantes
e o pouco amor no mundo
são os egos represando
são os grilos contendo
são os cegos guiando
outros cegos
ao abismo
da solidão
tanta coisa mal dita
niguém...


2.2.14

Cantiga de Plang

Maia

Reler todos os versos de amor
que esbarraram em portas fechadas
e prescrutar por detrás das fachadas
nos olhos de quem se retrai
e perceber quanto lhe doe
onde lhe traem as emoções
reconstruir todos os versos de amor
que naufragaram em congelados corações
e reviver noites dos velhos marinheiros
muitos verões de janeiro
e a primavera em Praga
ver se o tempo me apaga
e se o destino me paga
tudo que eu vi primeiro
primeiros devaneios
primeiras impressões
digitais
primeiros seios

tardes no muro das lamentações