31.8.06

Um mero Símbolo

Rubem Garcia - o Coringa

Poesia é som... Som é silêncio...

Quando engolir o gole de arsênico,

Lembra do claro, lembra do escuro,

Toma partido, ou sobe no muro...

Porto seguro para o traseiro,

Se por dinheiro, melhor ainda,

Sem olhos para baixo, nem corda para cima,

Buscando a rima na contramão.

Buscando a vida, a analogia,

Buscando a trégua na bomba atômica,

Que nem a formiga biônica,

E supersônica,

Ou gim com gelo e água tônica,

De forma irônica,

Égua plutônica quer meu tesão.

Eu mesmo não quero ver a bela...

Mesmo sendo a fera,

Ou a megera que vende caro,

A flor mais pura, o sonho mais caro.

Sem anteparo caiu do muro...

Foi esmurrado, foi agredido,

Ficou ferido... foi dado morto..

Dado estatístico,

Língua de trapo,

Papo de físico,

Cuspe de tísico,

De metafísico...

Cura a tensão.

Não quero a unção quero a cara dura,

O corpo fechado.

Sendo esquecido no meu passado,

Passando cego entre os espinhos,

Meio calado, meio dormindo,

O organismo meio falindo,

E o Estado rindo e confabulando,

Desconfiando e me conferindo,

Negando o salário.

Símbolo honorário de aceitação

22.8.06

O pior Xingamento do mundo.

Nada mais duvidoso do que frango que vira mortadela. Nada mais impreciso do que frango que vira mortadela. Nada mais digno de pena do que frango que vira mortadela. Vítima dos acontecimentos?

Nada mais desprezível do que frango que vira mortadela. Nada mais vil do frango que vira mortadela. Nada mais mesquinho, pequeno, do que frango que vira mortadela. Nada mais asqueroso do que frango que vira mortadela. Vitimado por sua vileza, vendido, leproso, corrompido, maculado, apodrecido nas entranhas, mas conservando boa aparência.

Nada mais engraçado do que frango que vira mortadela. Nada mais escrachado do que frango que vira mortadela. Nada mais bobo que frango que vira mortadela. Nada mais risível do que frango que vira mortadela. Nada mais estúpido do que frango que vira mortadela. Essa vileza torpe de rir da miséria alheia. Alheio ao próprio traseiro. Vendendo o de trás por dinheiro, e apedrejando prostituta.

Nada contra a indústria alimentícia, ou Contra o poder de polícia exercido em favor do estado.

Não é um protesto ecológico, muito menos um meio lícito para resolver um problema.

Não é um capricho lúdico, são escárnio e desígnio bíblico. È defesa contra o político abala o golpista cínico. Ofende até em nível anímico, até por preceito químico, ou antes, alquímico. Igual ao “mija agachado” inserido no patronímico.

Está cunhada nova expressão idiomática, ungida e sacramentada. Muito bem fundamentada, e juramentada no rol da gramática. Só nos resta pô-la em prática, sem atinar muito para lógica. Em qualquer conversa fática, em qualquer discurso mórbido. Em meio a um tumulto súbito, pela frente ou por trás do próximo.

Favor manter fora do alcance de crianças.

4.8.06

Nau sem rumo
Rubem Garcia – O Coringa

mistos de mistério e misericórdia
súplicas e suplícios à beira do caminho
rosas a se perderem em conta dos espinhos,
vicissitudes e virtudes estão misturadas...
E todos feneceram, na vertigem mascarada,
Não restou mais alegria,
nem sobrou mais nada,
sem consolo soçobrou a nau,
dessa mentira tão bem maquinada
e a verdade ainda não foi contada.

3.8.06

Sem Revanche
Rubem Garcia – O Coringa

Já não quero mais nenhum apego,
Nem encontro cabeça-de-nego,
Já não caminho mais com medo...
Tampouco guardo segredos,
Ou espalho maledicências...
Já perdi minha fé na ciência...
Já é largo o descrédito da igreja...
Ainda a pouco me deram cerveja...
E o que bebi foi amargo.
Já é tarde para mais um trago,
Ou para trazer de volta a infância.
E é tanta e tão ruidosa minha ânsia,
Não quer parar meu vômito verborrágico.
Já não é meu o momento, não é mágico,
Mais um tremelique tragicômico,
Perto demais do cogumelo atômico,
Longe da parede em que fiquei impresso,
Boneco de gesso em propaganda da Esso,
É cedo demais para tirar proveito,
Clamar por carícia e respeito,
Dignidade, misericórdia...
Chamar pelos campos da Arcádia,
E da Felinia na Amacórdia...
Um nome que foi perdido,
Foi esquecido por todos nós.
Ainda assim estará oculto,
Nublando os olhos, embaçando a voz.